A Explicação da
Subjetividade:
Um Dilema Filosófico

A subjetividade é um dos aspectos mais fundamentais e, ao mesmo tempo, mais desafiadores da experiência humana.

Ela se refere à maneira única e pessoal com que cada ser percebe e interpreta o mundo, incluindo suas emoções, pensamentos, sensações e percepções.

 A nossa experiência do “eu” e a forma como nos relacionamos com o mundo ao nosso redor são impregnadas por esse caráter subjetivo.

Contudo, essa dimensão íntima da existência tem gerado um dilema filosófico de magnitude: como explicar a subjetividade? Como podemos, enquanto seres conscientes, compreender o que significa ser consciente de uma maneira que transcenda a simples objetividade dos fatos físicos?

Esse dilema não é novo.

Ao longo da história da filosofia, pensadores se depararam com o enigma da subjetividade, tentando entender como as experiências subjetivas se relacionam com a realidade objetiva, que pode ser observada, medida e descrita por diferentes disciplinas, como a física, a biologia e a neurociência.

 Embora tenhamos alcançado um conhecimento impressionante sobre os processos cerebrais, as leis físicas do universo e as interações da matéria, a subjetividade permanece fora do alcance da explicação científica completa.

O que é exatamente a experiência subjetiva?

Pode ela ser explicada de forma objetiva ou há algo intrinsecamente irreduzível nesse fenômeno?

Esses são os grandes questionamentos que atravessam o dilema da subjetividade.

A Subjetividade como Experiência Pessoal e Única

Para entender o dilema filosófico da subjetividade, devemos primeiro examinar o que a torna tão fundamental.

A subjetividade se manifesta em nossa capacidade de vivenciar o mundo de uma maneira única, interior e pessoal.

Cada ser humano é capaz de se perceber como um sujeito distinto, possuidor de uma perspectiva que não pode ser totalmente compartilhada com outra pessoa.

Em outras palavras, há uma dimensão interna de nossa experiência que é exclusivamente nossa, como se fosse uma “realidade interna” que não pode ser observada ou experimentada diretamente por outros.

É fácil perceber esse caráter singular da subjetividade quando pensamos em experiências sensoriais, como o gosto de um alimento, a percepção da cor de um objeto ou a sensação de dor.

Cada pessoa experimenta o mundo a partir de seu ponto de vista único.

Quando alguém prova uma maçã, o sabor, a textura e a sensação associada a essa experiência são diferentes para cada pessoa.

Mesmo que possamos descrever essas experiências usando palavras, há sempre algo mais, algo que transcende a mera descrição objetiva.

Esse “algo a mais” é precisamente o que chamamos de subjetividade.

Ela é a diferença entre conhecer um objeto de forma conceitual e vivenciá-lo de forma sensorial e pessoal.

A questão central aqui é: como podemos explicar essa dimensão interior da experiência, que é essencialmente única e íntima, a partir de uma perspectiva objetiva e científica?

O Problema da Explicação Objetiva da Subjetividade

A explicação científica da subjetividade tem sido um dos maiores desafios das ciências cognitivas, da neurociência e da filosofia da mente.

As ciências físicas se concentram em descrever os fenômenos do mundo de uma forma objetiva, utilizando modelos matemáticos e teorias baseadas em dados observáveis.

No entanto, essa abordagem não parece ser suficiente para capturar a essência da experiência subjetiva.

Como podemos explicar a percepção do vermelho ou a sensação de tristeza usando apenas leis da física ou processos neurobiológicos?

David Chalmers, um dos filósofos mais proeminentes sobre a consciência, introduziu o conceito do “problema difícil” da consciência para destacar essa dificuldade.

O problema difícil diz respeito a explicar por que certos processos cerebrais, que podem ser observados e analisados cientificamente, resultam em experiências subjetivas, as chamadas “qualia”.

As qualia são as qualidades intrínsecas e individuais das nossas experiências sensoriais, como o que significa para uma pessoa experimentar a cor vermelha ou o sabor de um alimento.

A ciência pode descrever como os estímulos externos ativam áreas específicas do cérebro, mas ela não explica como essas atividades cerebrais se traduzem na experiência consciente.

Essa questão coloca em xeque a ideia de que a subjetividade pode ser reduzida a explicações objetivas.

Mesmo que possamos mapear com precisão os processos cerebrais associados à percepção ou ao pensamento, isso não resolve o mistério de como a mente experimenta esses processos.

A subjetividade, parece, é algo que escapa ao alcance da explicação puramente materialista.

O Desafio Filosófico: Reduzir a Subjetividade à Objetividade

A tentativa de reduzir a subjetividade à objetividade tem sido uma abordagem central na filosofia materialista da mente, que busca explicar a consciência como um fenômeno puramente físico.

Para os materialistas, todos os estados mentais, incluindo a experiência subjetiva, podem ser explicados por processos cerebrais e, portanto, são dependentes da estrutura física do cérebro.

Essa visão sugere que, ao compreendermos completamente o cérebro e suas funções, poderíamos, em princípio, entender a natureza da subjetividade.

No entanto, essa redução enfrenta um grande obstáculo, conhecido como a falácia do reducionismo.

Mesmo que consigamos mapear as relações entre a atividade neuronal e as percepções conscientes, isso não nos diz como essas percepções subjetivas realmente acontecem.

O materialismo, portanto, esbarra em uma limitação epistemológica: ele não consegue explicar o “como” da experiência, mas apenas o “quê” e o “onde” dos processos mentais.

Uma das alternativas à abordagem materialista é o dualismo, que postula que a mente e o corpo são entidades separadas.

De acordo com o dualismo, a subjetividade não pode ser explicada apenas pelos processos físicos, pois ela envolve uma dimensão imaterial da experiência.

Essa visão, proposta inicialmente por René Descartes, sugere que há algo no ser humano que não pode ser reduzido à sua constituição física.

O dualismo enfrenta suas próprias dificuldades, especialmente em relação à interação entre a mente e o corpo, mas ainda oferece uma resposta para o enigma da subjetividade ao afirmar que a mente possui uma essência distinta e não material.

A Subjetividade e a Filosofia Contemporânea

Na filosofia contemporânea, uma nova perspectiva chamada fenomenologia surgiu como uma tentativa de abordar a subjetividade de maneira mais direta.

 Filósofos como Edmund Husserl e Maurice Merleau-Ponty propuseram que a melhor forma de entender a experiência subjetiva é através da análise da vivência direta do sujeito, sem reduzi-la a explicações externas.

A fenomenologia enfatiza a importância de compreender a experiência a partir da perspectiva do indivíduo, reconhecendo que a subjetividade e que a percepção do mundo está sempre imersa na experiência do corpo e da mente.

Além disso, algumas teorias mais recentes, como o panpsiquismo, sugerem que a subjetividade pode não ser exclusiva dos seres humanos, mas sim uma característica fundamental de todo o universo.

Para os panpsiquistas, até mesmo as partículas elementares poderiam ter uma forma rudimentar de experiência subjetiva, o que colocaria a subjetividade como uma característica intrínseca da realidade.

O Dilema da Subjetividade

A explicação da subjetividade continua a ser um dilema filosófico sem uma solução definitiva.

Embora os avanços na neurociência e na filosofia da mente tenham nos aproximado de uma compreensão mais profunda dos processos cerebrais e das interações do corpo e da mente, a experiência subjetiva continua a desafiar explicações puramente objetivas.

A subjetividade não se encaixa facilmente nas categorias da ciência natural, pois ela envolve uma dimensão pessoal e interior que é única para cada ser consciente.

Em última instância, o dilema da subjetividade nos leva a refletir sobre a natureza da própria consciência, sobre a relação entre o corpo e a mente, e sobre os limites do conhecimento humano diante da complexidade da experiência vivida.

Rolar para cima